Laços do Luar - Um novo mundo - Capítulo 7

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A Estilista

 

Elizabeth deixou a mesa, animada. Suas roupas eram bem diferentes das que usava no dia anterior.

Dessa vez, usava uma bela camisa de linho com enchimento nos ombros e um espartilho de couro na cintura, suas calças eram de couro bem trabalhado com um belo acabamento. Ela prendeu seus cabelos em um rabo de cavalo e arrumou a franja que ficava repartida no meio pelo chifre.

Ela me conduziu até a entrada do palácio. Uma carruagem nos aguardava no fim da escadaria da entrada principal. Parei um pouco para apreciar a vista.

Um belo jardim ocupava toda a frente do palácio, sua flora era bem diversificada com rosas, tulipas, margaridas e madressilvas. Cercas vivas adornavam os cantos da estrada de tijolos que serpenteava pelo viridário até o portão de saída.

— Ei! — Gritou Elizabeth da janela da carruagem— Vai ficar parado aí com cara de bobo até quando? Vamos logo!

Com um suspiro, apressei-me a tomar meu lugar ao seu lado. Em seguida, o cocheiro estalou as rédeas e partimos.

A melhor parte da viagem foi a paisagem deslumbrante que se estendia diante de nós. Passamos por colinas verdejantes, cobertas de vida, que pareciam se esticar infinitamente. Ao fundo, uma floresta densa se espalhava até onde a vista alcançava, enquanto os picos montanhosos cobertos de neve circulavam o vale, criando um contraste hipnotizante de paisagens. Era uma visão tão rara e grandiosa que nunca havia tido o prazer de presenciar antes.

Nos dias difíceis, costumava passar a noite inteira no terraço, esperando pacientemente pelo pôr do sol e pelo nascer da lua. O céu noturno tinha algo de reconfortante; era como se, ao olhar para ele, eu me aproximasse de algo além de mim. Muitas vezes, virava a noite admirando o luar, e, naquele momento, a solidão parecia menos pesada. Era uma das poucas alegrias simples que eu ainda encontrava em meu mundo.

Enquanto eu estava imerso nesses pensamentos, Elizabeth ajustou a franja que caía sobre sua testa, distraída. Não pude mais conter minha curiosidade.

— Liz, posso fazer uma pergunta? — Falei com cautela.

— Você acabou de fazer uma, mas não se preocupe, eu lhe concederei outra — Brincou

— Bem, Erh… Eu peço desculpas adiantado, pois não sei se isso é um assunto delicado ou não, mas, por que você tem um chifre? Notei que nem todo mundo os possui.

— James, James… — A Duquesa balançou a cabeça com tom de reprovação — Nunca faça esse tipo de pergunta, que vergonha rapaz.

 Eu já estava prestes a pedir perdão quando ela começou a gargalhar.

 — Brincadeira! — Disse sorrindo e gargalhando de mim — Ora, não faça essa cara de zangado. Veja bem, atualmente existem “oficialmente” — enfatizou — três grupos vivendo no Vale. Bem… em todo o continente.

Liz adotou uma pose de sabichona e com o nariz empinado explicou:

 — Os Viribus, são exímios guerreiros, lutadores e excelentes mordomos, diga-se de passagem. A maioria deles possui a pele um pouco avermelhada, mas sua maior característica são suas orelhas pontudas e um porte físico avantajado.

Ela observou minha reação por um instante, depois prosseguiu com entusiasmo.

 — Já os Ferberus são mestres na agilidade e na manipulação. Predominam no comércio e em áreas financeiras. Um conselho: se algum dia precisar lidar com alguém dessa linhagem, prepare-se bem. A persuasão deles é imbatível.

 — E, por último, os Lanianos, estudiosos do Tear e do espaço. Muitos se especializam em áreas acadêmicas e inteligência militar. Mas, apesar dos pontos fortes, a maioria não se prende apenas em uma área.

Tear? Então todo Laniano gosta de costura? pensei. Mas me calei. Não iria dar mais corda pra ser vítima de outra brincadeira.

Tear? Então todo Laniano gosta de costura? pensei. Mas me calei.

— Ah! Também existem muitos mestiços. Você até que se encaixa como um, acredito que sua verdadeira origem vai ser fácil de esconder. Mas tome cuidado — O tom da duquesa tornou-se mais sóbrio. — Algumas pessoas desagradáveis não veem os mestiços com bons olhos. Ainda existe muito preconceito contra eles.

— Mas por que os chifres de alguns são mais volumosos que outros?

Antes que ela respondesse, minha mente vagou um pouco. As palavras de Kírkart, mais cedo, voltaram como um sussurro:

“Cada fio carrega o eco de mil histórias.”

Parei por um instante, encarando as árvores pela janela da carruagem.

— Então… cada pessoa aqui é como um fio? — perguntei, ainda imerso naquela ideia.

Elizabeth sorriu, como quem se alegra ao ver alguém decifrando o mundo.

— Exatamente. Mas não apenas pessoas, todos os seres vivos compõem a realidade desse mundo. Alguns dizem que “os fios que desafiam a Tapeçaria deixam marcas eternas.” Outros preferem o mais simples: “Cada nó é uma história esperando para ser contada.”

— Esses ditados… vou acabar precisando de um dicionário só pra eles. Às vezes não entendo nada. Vocês levam isso bem a sério, né?

— Muito. Mas não é só tradição — respondeu Liz, pensativa. — Às vezes, um ditado diz o que a gente sente antes mesmo de saber como explicar.

Suspirei. Aquilo me lembrava os provérbios da minha avó. Mas havia uma diferença. Não era só a sabedoria popular. Era fé. Era identidade.

—— Então… qual seria meu destino nesse mundo? Ou melhor, “meu fio nessa Tapeçaria” — perguntei mais para mim mesmo.

— Olha só, está começando a entender, não é? — disse Liz, sorrindo. — Mas essa é uma pergunta que só o Tear pode responder com o tempo. E lembre-se: “O fio que parece perdido, pode ser o elo mais forte.”

— Bem, esse sim é o tipo de coisa que não se deve perguntar para uma mulher Laniana. — Dessa vez, Elizabeth ficou realmente séria. — Com o passar dos anos, a quantidade de aneis em nossos chifres aumentam. De três em três anos um novo anel surge.

Basicamente são como as cascaveis. O número de aneis em seu chocalho representa a idade da serpente.

Fiquei observando o pequeno chifre de Elizabeth tentando contar o número de linhas dele.

— Ei! — Gritou, zangada — O que você está fazendo? — Rapidamente ela começou a esconder ainda mais o pequeno chifre de ponta arredondada entre a franja, e em seguida, me deu um chute na canela.

— Ai! — Puxei minha pobre canela e comecei a massageá-la com lágrimas nos olhos. — Eu não fiz de propósito, desculpa!

— Se fizer isso de novo você vai se arrepender amargamente. Hunf! — Bufou virando o rosto — Estamos quase chegando, se recomponha, e nada de ficar espiando o chifre das garotas — Advertiu séria.

Espiar o chifre das garotas… Será que seria o mesmo que espiar debaixo das saias das meninas?

Logo comecei a me perder em pensamentos bobos de marmanjos comentando entre si

Nossa, você viu o chifre dela?

Vi sim cara… Tem vários tracinhos, hehehe…

Estava tão concentrado nas minhas bobagens e em conversar com Elizabeth que acabei nem percebendo quando entramos na pequena cidade. A carruagem parou em frente a uma bela casa de dois andares envolta em trepadeiras.

As raízes serpenteavam pelos tijolos enquanto contornavam as janelas dando um ar de fantasia ao local. Elizabeth bateu na porta e logo pode-se ouvir uma bela voz feminina.

— Um minuto, por favor — Uma jovem Laniana de cabelos lilás ondulados nos atendeu. Ela usava um vestido curto, preto com bordados na saia que ia até suas coxas, um espartilho de couro marrom na cintura, a roupa possuía um bordado dourado que ia do abdômen até o decote que lembrava uma águia abrindo suas asas.

— LIZ!!! — Gritou dando um forte abraço na duquesa.

— Então esse é o rapaz de quem me falou na carta? — Ela me analisou da cabeça aos pés — Bem, primeiramente, meu bem, quem escolheu essas roupas para você tem um péssimo senso de moda. Entre, vamos ver como eu posso salvar este jovem bonitão.

Corei. Ela era muito bonita e simpática, não conseguia olhar nos olhos dela com vergonha. Elizabeth notou e deu uma risadinha debochada.

O ateliê era bem espaçoso, possuía um aroma doce e um ar de aconchego. Nos cantos das paredes haviam pequenas mesinhas com belos arranjos de flores. Várias peças de roupa ainda por terminar estavam por quase todo lado, protótipos de uma nova linha vestiam alguns manequins. As paredes estavam repletas de quadros de várias belas jovens vestindo vários modelos diferentes de roupas inusitadas.

— Vou preparar um chá, você me ajuda Liz?

— Claro. James, aguarde aqui. — As duas saíram cochichando e rindo entre si. Algo me dizia que provavelmente Liz estava tirando sarro de mim, de novo…

Aproveitei a chance para explorar mais o ateliê. Seu estilo me lembrava muito as histórias Steampunk, uma mistura da renascença com a industrialização. Esse era o tipo de coisa que nunca esperaria ver em outro mundo.

O lugar era bem iluminado. Além das janelas, um grande candelabro clareava ainda mais a sala, deixando todos os detalhes o mais nítido possível. O sistema de iluminação era o mesmo do castelo, pequenas partículas dançando nos vidros.

Tirei uma jaqueta de couro com botões dourados de um dos manequins e experimentei em frente a um dos grandes espelhos distribuídos pelo ateliê. Ficava bem melhor do que o gibão, devo admitir, o contraste com a calça de linho afivelada deixava aquela roupa bem no meu estilo.

— Humm… Até que você tem bons olhos… — falou Charlotte, ela me olhava com um olhar crítico enquanto bebia seu chá. Liz estava sentada em uma cadeira perto de um sofá no meio da sala — Aqui, experimente vestir isso também — ela me jogou uma calça. O tecido parecia muito com jeans. E apontou para um provador ali perto.

Ao sair do provador, me senti um motociclista dos anos 80: jaqueta de couro aberta com botões dourados, a camisa de linho branca por baixo parecia uma camiseta comum e a calça “jeans” azul realçava as botas de couro preto.

— Uau! — Disse Liz — Você arrasou com essa nova linha, Charlotte, mais uma vez você vai ser o centro da mudança da nova moda.

Charlotte sorriu satisfeita.

— Venha, querido, deixe-me olhá-lo mais de perto — Ela fez um sinal com os dedos e em seguida levitei poucos centímetros do chão e fui puxado para perto. Charlotte me girou e me analisou — Soube que a moda de seu mundo é bem diversificada.

— Meu mundo? — Olhei para Liz — A informação de que eu pertencia a outro mundo não deveria ser secreta? — Falei um pouco zangado.

— Não se preocupe, Charlotte é uma grande amiga — Um dos cantos dos olhos da estilista tremeu ligeiramente como se ela estivesse tentando não se irritar. — e eu confio plenamente nela. E eu sabia que você poderia ajudá-la com sua nova linha de roupas.

Logo, nossa anfitriã voltou toda sua atenção e entusiasmo para mim.

— Siiiim! — Os olhos da bela Laniana brilharam — Vamos me conte tudo sobre as roupas de seu mundo.

— Está bem, mas me coloque no chão primeiro, por favor — A garota se desculpou e logo me deixou descer — Vou contar tudo o que sei, não sou um expert em moda, então minhas descrições podem não ser lá das melhores.

Charlotte pegou um bloco de notas e um lápis e começou a anotar tudo o que eu descrevia sobre roupas. Logicamente, foquei mais nas roupas que eu costumava usar e nas poucas coisas que lembrava que as outras pessoas usavam. Seus olhos e ouvidos estavam totalmente focados em mim, e sua mão rabiscava freneticamente, preenchendo folha após folha.

Depois de falar por mais de uma hora, fiquei sem memórias de outras peças. Charlotte balançou o pulso cansado e disse.

— Bem, acredito que já tenha material suficiente para duas ou três linhas diferentes para esse ano, dê uma olhada e me diga se está correto — Ela me passou o bloquinho.

Para minha surpresa, ela não estava escrevendo, mas sim desenhando. Tudo o que eu havia mencionado estava esboçado naquelas folhas nos mínimos detalhes. Calças, camisetas, jaquetas, sapatos masculinos e femininos, vestidos. Tudo. Ela captou facilmente e com perfeição todos os modelos.

— Isso, isso é incrível! — Falei com profunda admiração. Charlotte sorriu satisfeita. As maçãs de seu rosto eram redondas e vermelhinhas dando um toque sensual ao seu sorriso, seus grandes olhos azuis brilhavam como duas safiras, assim como Liz ela possuía um chifre de ponta arredondada, ele era marfim e dividia suas grandes madeixas.

— Obrigada querido, vou batizar essa primeira linha de verão Drumont pela sua grande colaboração. Agora vamos nos divertir um pouco… ah! Quase me esqueci! Aqui, pegue — Ela me entregou um pacote. Ao abri-lo, vi que eram minhas roupas rasgadas que os serviçais haviam levado. Estavam costuradas e com o acabamento refeito — Adorei esses materiais, são simples e fáceis de manipular. Consegui reproduzi-los facilmente .

Charlotte era muito modesta, estavam perfeitas, até melhores do que antes. Ela me mostrou o restante de sua coleção. Me revelou que seu sonho era marcar essa nova geração e ser o marco inicial de uma nova era para a moda. Seu sorriso era contagiante e sua personalidade cativante. Fiquei imaginando como ela se sentiria naquelas convenções de moda que ocorrem em Paris, ela é, sem a menor dúvida, um gênio. O tipo de pessoa que no meu mundo se tornaria um grande ícone.

Passamos o restante da tarde rindo das várias gafes que Charlotte e Liz passaram juntas e das várias aventuras que viveram. Segundo as garotas, os reinos nem sempre foram pacíficos.

Décadas de batalhas e negociações foram necessárias para se alcançar a paz, essa que ultimamente sobrevive por um fio. Liz e Charlotte faziam parte de uma comitiva de cinco guerreiros que foram responsáveis por construir esse mundo tranquilo que todos podem desfrutar.

Isso me lembrou dos últimos grandes conflitos antes do meu mundo entrar em algum novo tipo de guerra. Tempos difíceis fazem pessoas fortes, pessoas fortes fazem tempos de paz, tempos de paz trazem a tona o lixo que existe dentro das pessoas, e eu entendia muito bem de pessoas podres.

Como sempre, tentei reprimir esses sentimentos ruins para o quartinho da solidão no interior de minha alma e aproveitar a ótima companhia.

De fato, foi uma tarde muito divertida. Nunca imaginei que poderia ter pessoas para rir comigo , e não de mim. De súbito, as garotas pararam de rir, e me fitaram um pouco angustiadas. Logo eu senti um calor percorrer meu rosto, um calor familiar, mas a sensação era diferente, não sentia angústia, nem raiva ou tristeza. Eu estava grato e aquelas lágrimas eram da mais pura e sincera gratidão, àquelas duas garotas que me aceitaram completamente como um amigo.

Um calor crescia em meu peito, ambas me aceitaram e dividiram tantas coisas comigo nesse curto período de tempo, era como se algo nos falasse que poderíamos conversar livremente entre nós, como amigos de longa data. Charlotte me conquistou rapidamente, assim como Liz e Luna. Eu simplesmente sentia que poderia me abrir.

Por algum motivo, Liz tinha essa luz que cortava minhas trevas, ela me dava uma certa segurança como se me conhecesse há anos. Era um sentimento diferente do que senti ao passar a noite com Luna, era como o sentimento de ter alguém para cuidar e zelar por mim.

Todos os sentimentos ruins estavam vazando do quartinho onde eu os prendi, mas, dessa vez, eles não me machucavam, apenas iam embora, proporcionando um alívio que nunca senti antes.

Ambas me retribuíram com um caloroso sorriso e me abraçaram.

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