O Conselho das Estrelas - Volume 01 - Bem Vindos ao Conselho! - Capítulo 04

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A Aposta.

    A Ursa Maior, a autoridade máxima da filial terrestre, mudou a típica expressão intimidadora para uma careta de confusão quando viu Cosmo mumificado por correntes prateadas. Quando imaginou as inúmeras perguntas se passando na cabeça da diretora e percebeu o que tinha feito, Antares puxou elas na intenção de soltar o melhor amigo.

O movimento foi tão rápido que fez a cadeira rodopiar como um pião, a cabeça do pobre coitado pendendo para os lados como se admirasse uma trilha de meteoritos em meio ao mundo embaçado ao redor. 

— M-Me desculpa Cosmo! Eu esqueci de te desamarrar…

— Obrigada por trazê-lo, Antares. Está dispensada. — A Ursa estalou os dedos da mão direita, e Antares se direcionou para a saída após uma breve reverência.

— Se possível, eu gostaria de comentar… — A segurança se forçou a virar o torso para encarar a Diretora, como se uma força sobrenatural estivesse a impedindo. 

— Eu estou de acordo com as suas propostas, fique tranquila. Por favor, se retire, tenho uma reunião daqui a pouco e não vou tolerar atrasos. 

— Mas eu tenho certeza que, se me der mais um tempinho da sua atenção, podemos…

— Não tente me desafiar, Antares! Qual é a primeira coisa que todo funcionário deve falar quando isso acontece?

— M-me perdoe pela desobediência, mas…

— Apenas diga, sem desculpas! — A mulher bateu os dedos na mesa com uma velocidade frenética, como se maquinasse a punição adequada caso Antares não lhe desse a resposta desejada. 

— Me perdoe pela desobediência. A senhora sabe o que é melhor para todas as estrelas da Terra…

— Muito bem, certifique-se de fazer um trabalho exemplar. 

—  Eu agradeço, minha senhora… — completou Antares quando atravessou o grande portão. — Boa sorte, Carinha…

A julgar pelo tom da conversa, Cosmo entendeu que a Ursa Maior não o chamou para dar uma promoção ou jogar conversa fora. A situação demandava bastante seriedade, e por isso, o rosto se fechou por completo. 

— Peço desculpas pela minha subordinada, ela geralmente traz os funcionários problemáticos dessa maneira e todos do Casarão Administrativo se acostumaram com isso. 

— Isso significa que estou na sua lista negra?

— Não seja tão precipitado, rapaz. Você está aqui por outro motivo — De maneira rápida, a Ursa Maior estirou o braço direito e estalou os dedos outra vez, o som ecoando como o badalar de um sino. 

    As luzes da sala se apagaram, como se estivessem aguardando o gesto da mulher desde o começo. Em seguida, um trio de garotinhas surgiu debaixo da mesa com joias de cores variadas nas mãos, além de encararem o professor com o mais profundo tom de malícia. Juntas, elas representavam as Ursas Menores.

    Herdaram o mesmo tom de pele da Diretora, com a adição de dentes caninos, garras afiadas, adornos felpudos na gola e barra dos vestidos. Pareciam crianças que ansiavam conhecer tudo sobre o mundo, mesmo que muitos inocentes tivessem que se machucar no processo. 

— Preparem a simulação, não temos muito tempo…

— Sim, Mamãe! — falaram as três, evidenciando uma proximidade incomum com a mulher. 

    Com as pedras em mãos, as meninas levantaram os braços para as partículas mágicas seguirem o trajeto lento e gracioso até a mesa. Depois de se unirem em uma pequena esfera colorida, o brilho semelhante ao flash de câmera iniciou a transmissão. 

    A imagem mostrava um homem idoso vestindo o simples macacão de pedreiro e esbanjando alguns dentes de ouro na arcada superior. A julgar pela postura curvada e a presença mínima de fios capilares, é perceptível que a vida não rendeu bons frutos ao pobre coitado, e mesmo assim, sua imagem era familiar para o professor. 

— Você conhecia o Scallix? Um senhor de temperamento forte, vulgar, representava tudo que um homem pode ser de…

— O Seu João? Ele é uma das pessoas mais bondosas que eu… — Cosmo parou assim que percebeu o olhar afiado da Diretora. Pela própria segurança, ficou em silêncio até que o tom de ameaça sumisse do ambiente. 

— Apesar dos pontos irrefutavelmente fracos, ele foi um dos melhores funcionários na Tropa de Exploração. No entanto, deixou de trabalhar em nossa organização há muito tempo, sabe o porquê? 

— Ele sofreu um acidente gravíssimo que prejudicou o desempenho no trabalho, e depois de ser hospitalizado, o Setor de Exploração lhe concedeu a aposentadoria. 

— Precisamente. Muitos funcionários se perguntam como está o velho colega de equipe depois de tantos milênios, mas nenhum deles sabe a verdadeira história. 

— Como assim? 

    A esfera mágica emitiu novas imagens do Seu João num piscar de olhos, levantando uma camada fina de névoa por todo o escritório. A partir daquele momento, aquele poder simulou cada movimento e cenário em sintonia com as palavras da Ursa Maior, determinada a revelar todos os fatos ao rapaz dos trajes elegantes. 

— Sabíamos que Scallix trabalhava num ambiente insalubre para uma estrela de sua idade, e por isso, lesões e machucados eram algo corriqueiro em suas explorações. Descobrimos, porém, que ele fazia isso de propósito.

— Isso é terrível! — gritou a pequena ursa de cabelo azulado.

— Horrível! — bufou a garota de cabelo vermelho.

— Impensável! — terminou a menina das mechas esverdeadas. 

— Nós tentamos mudá-lo de departamento para evitar uma catástrofe, mas a reação negativa dele acabou por confirmá-la. Sua pele mudou de cor, rachaduras se alastraram por todo o corpo como se algo quisesse sair de sua casca. E então… Veio o primeiro choque, e a situação piorou. 

    A imagem de Seu João, que estava se contorcendo com os sintomas descritos, soltou uma onda de energia capaz de demolir a montanha de papeis sobre a mesa e até lançou a cartola elegante de Cosmo pelos ares. A partir daquele momento, a sequência de eventos tomou um rumo inesperado. 

— Seus colegas fizeram de tudo para acalmá-lo, mas o velho havia perdido o juízo por completo. A cada nova onda de choque, sua aparência mudava, o comportamento mais primitivo, e aos poucos deixava de ser o Scallix que todos conheciam. Chegou ao ponto que o corpo cedeu ao descontrole que simplesmente… 

Assim que a Ursa Maior fechou o punho esquerdo com muita força, o velho se desintegrou em milhares de partículas coloridas, a força varrendo os poucos documentos restantes e poluindo o ambiente com bastante poeira. 

— Quando alguém perde o controle, a energia interna entra em desequilíbrio e quando o corpo não for capaz de contê-la, será liberada em uma explosão de proporções devastadoras. Vocês humanos conhecem essa parte final como Supernova, em outras palavras, a morte de uma estrela. 

Cosmo não conseguia tirar as imagens do primeiro dia de aula e do descontrole de Luna. A explicação era condizente com o caos instaurado na Cúpula da Iniciação, mostrando que algo muito pior teria acontecido se não tivesse tomado uma atitude. 

— Naquele momento, os membros da Tropa de Exploração deveriam ter seguido o Protocolo de Segurança para evitar que Scallix virasse uma Supernova. Poderia recitá-lo para mim? 

O professor franziu a testa por um breve momento, intrigado pela linha de raciocínio que a Ursa Maior desenvolveu com aquela conversa. No entanto, sabia que a palavra não era inexistente no vocabulário de alguém tão importante quanto a Diretora, logo, relembrou dos procedimentos sem hesitação. 

— Quando uma estrela estiver fora de controle… Você deve isolá-lo em um ambiente longe de mercadorias, construções e da civilização.

— Certo, e depois? 

— Identifique os pontos de maior vulnerabilidade do indivíduo, atrás da nuca e na região do busto quando desprotegida. Em seguida, acione o estabilizador de acordo com a gravidade da mutação para imobilizá-lo. 

— E se nada disso funcionar? Qual é a coisa mais importante que uma estrela deve fazer? 

— Saia do local o mais rápido que puder. Não há mais nada… Que possa ser feito… — respondeu Cosmo com um leve teor de preocupação. Ele sabia o motivo de estar ali. 

— Como alguém que conhece o protocolo, eu lhe pergunto… Qual motivo te levou a desconsiderá-lo quando uma Supernova estava prestes a acontecer no seu próprio local de trabalho? 

— Terrível, horrível, impensável! — repetiram as Ursas Menores. 

— Ela era só uma criança! A senhora sabe muito bem como o uso dos estabilizadores causam danos permanentes em qualquer funcionário. E-eu pude resolver a situação de uma forma mais… 

— Independente, Professor Cosmo! — A ursa vociferou, silenciando o protesto — Sabe o quanto perderíamos com seu descuido? Estamos com uma baixa severa no quadro de funcionários e faz séculos que o Ancião não manda seus Escolhidos para arrumar a bagunça. Você não estaria aqui se fizesse o seu trabalho da forma correta! 

— Era de se esperar do professor que traumatizou muitos com o péssimo modo de explicar o óbvio — debochou a garota de cabelos azulados — Um deles está gritando até hoje quando soube que morreu!

— Ou quando teve uma mulher que quase armou um protesto, ele certamente aliviou os nervos dela, né? — complementou a menina ruiva. 

— Vocês nem ficaram sabendo da última! — disse Ursa de cabelo verde, que tinha bons ouvidos para as fofocas alheias. — Hoje teve um velho que ia processar a gente!

— Chega! — ordenou a Ursa com outro estalo, e na mesma hora as pequeninas se calaram. — De fato, esses exemplos mostram que seus alunos causaram muitos problemas ao nosso Conselho. Não é à toa que você está muito abaixo em nosso ranking de professores, isso faz mal para o cumprimento das metas. 

— Eu me dedico para entregar o melhor ensino que essa organização tem a oferecer, não importando a dificuldade que…

— Por favor, poupe-me de suas desculpas! — respondeu a Ursa Maior com rispidez, e percebendo que se excedeu um pouco, voltou ao tom de voz anterior. — Como sou uma das figuras de maior autoridade depois do Ancião, eu deveria prendê-lo pelo crime que cometeu, mas forças externas me aconselharam a ser mais “generosa” com você… — Assim, encerrou a fala com desdém.

— E o que isso quer dizer?

— Que está dispensado da função de professor, e irei te encaixar em outro departamento. Há outros setores que são mais seguros de atuar, como a limpeza e manutenção dos depósitos, auxiliar os oradores na execução dos discursos… 

    Cosmo ouviu as opções da Diretora em absoluto silêncio, e sendo conhecida pelo temperamento elevado, ela tinha paciência de sobra para ler uma enciclopédia completa dos cargos e departamentos do Conselho.

    Porém, o rapaz não gostou de nenhuma delas, pois não se via recolhendo o lixo dos foguetes ou ajeitando páginas de um texto destinado a pessoas que demoravam séculos para ler. Ensinar os outros era a única coisa que fazia de melhor, e agora, estava prestes a perder seu maior prazer sem qualquer tipo de resistência. 

    Não é como se lhe faltassem meios de expressar o descontentamento, mas a Ursa jogando palavras ao vento era uma cena estranha e, ao mesmo tempo, familiar. Cosmo teve a impressão de ter presenciado o mesmo acontecimento em outro lugar, e dessa forma, alguma coisa despertou nos confins da mente do pequeno astro. 

— Eu… Eu não posso…

É o seu dever, por que não entende isso? Não vamos tolerar um elo fraco! — A voz de um homem ressoou como um fantasma sussurrando na imaginação de Cosmo. Aquela sensação foi tão incômoda que tirou do jovem uma reação nunca antes vista! 

— Não! Você não vai se intrometer na minha vida outra vez! — gritou Cosmo levantando-se da cadeira em um ímpeto de fúria. 

    Aquilo foi um momento tão inesperado que deixou até as Ursas Menores de queixo caído. Porém, a pessoa mais impactada pela resposta de Cosmo foi a grande diretora, que ficou encarando o professor de maneira ameaçadora. 

    Na mesma hora, um par de caninos formou-se na arcada superior, as sobrancelhas franziram enquanto as pupilas em tom de magenta brilhavam como um incêndio fora de controle. Ela parecia ofegante, com a ansiedade de uma predadora em reduzir seu alvo em milhares de pedaços. 

    E naquele exato momento, Cosmo percebeu que a reunião pacífica havia terminado. 

— O que você disse? — perguntou a Ursa Maior, sentindo o sangue ferver como um vulcão em erupção.

— Eu disse alguma coisa? S-sim! Eu disse: Não, eu preciso voltar pro trabalho e ensinar os meus alunos! Poderia tirá-los da detenção agora?

— Eu não te dei permissão para sair. Sente-se! — A Diretora realizou outro estalo, e quando os dedos emitiram o barulho semelhante a um sino, Cosmo sentiu o corpo pesar tanto que desabou na cadeira e bateu a cara na mesa. 

— E-eu não consigo me mexer! O que está acontecendo?

— O que te faz pensar que eu daria ouvidos ao seu pedido? Sou eu quem sabe o melhor para todas as estrelas desta filial, então a mudança vai acontecer. Você entendeu? 

— Mamãe, podemos ficar com as roupas quando acabar com ele? — falaram as Ursas Menores querendo profanar o visual estiloso de Cosmo. 

— A senhora não pode fazer isso! Se me retirar, quem vai ensinar aqueles pobres novatos? 

— Haverá professores mais capacitados para isso! E mesmo que eu os liberte, é questão de tempo até que arranjem mais confusão para eu arrumar. Você nunca será capaz de ensinar aquelas estrelas problemáticas a serem estrelas de verdade! 

— É mesmo? Eu te desafio!

— Me desafiar? Você não está falando sério. — A ursa debochou. 

— Vamos fazer uma aposta, você e eu. Liberte os novatos e vou ensiná-los a serem grandes profissionais. Assim, eu vou provar que sou um bom professor, e que você está errada! 

— Quem é você pra falar desse jeito com a Mamãe? — As meninas tentaram intervir, mas a Ursa Maior as impediu com um simples gesto de mão. 

    Parecia que toda a raiva da Ursa havia desaparecido, à medida que os caninos foram diminuindo, as sobrancelhas voltando à posição original e até sua respiração desacelerou.Assim que a tensão passou e os olhos retornaram ao brilho de costume, Cosmo sentiu que o peso equivalente a três elefantes diminuiu aos poucos, o que possibilitou corrigir a postura. 

— Muito bem, eu vou participar desse “joguinho”. Se fizer cada um daqueles trastes aprenderem algo de valor, manterá seu emprego e irei aceitá-los em nossa filial — Logo, a Ursa levantou-se da poltrona e andou na direção de Cosmo rodeando a sua cadeira. — Mas se fracassar… Se uma Supernova acontecer outra vez… Você será banido do Conselho das Estrelas.

— Mas, minha Senhora… O Conselho compõe a galáxia inteira, tem certeza é possível banir uma estrela? 

— Eu não sei, mas confesso que estou curiosa em ver como isso vai acontecer — A Ursa Maior soltou uma pequena risada e não passou uma sensação agradável. — Temos um acordo? 

    Cosmo ficou pensativo quando a Ursa Maior estendeu a mão para confirmarem a aposta. A essa altura do campeonato ele não poderia voltar atrás, pois não se sabe o que aconteceria se a mulher ficasse zangada outra vez, fora que o destino de quatro estrelinhas e seu trabalho estavam em jogo. 

    Aquela era a chance de mostrar a capacidade de fazer aquilo que tanto amava e não ser ridicularizado pelos colegas de trabalho. Quem sabe não receba mais alunos ou a oportunidade de dar aulas para os Escolhidos do Ancião? Não havia outro caminho além de arriscar.

    Com isso em mente, ele apertou a mão da Ursa Maior com bastante força, algo que espantou aquelas pestinhas de vestido, mas convenceu a gerente de que aquilo era uma decisão séria. Um pacto entre os dois foi selado, e não poderia ser rompido. 

— Meninas, vocês sabem o que fazer.

— Sim Mamãe! — gritaram as pequenas ursas em uníssono, se jogando na direção de Cosmo.

    Como estava recuperado e tinha condições de sair dali sozinho, mas as Ursas Menores viram que era a chance perfeita de puni-lo o expulsando do escritório. Ao menos, ele não tentou resistir ou aquelas garras afiadas iriam rasgar suas belíssimas roupas.

— Adeus, Professor Cosmo. Foi um prazer apostar com você. 

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