O Conselho das Estrelas - Volume 01 - Bem Vindos ao Conselho! - Capítulo 06

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A Estrela Mais Linda do Vasto Céu Azul.

— Me desculpe por não trazer presentes, mas a rotina é muito puxada. Sei que o senhor entende — disse o jovem tirando a cartola em sinal de respeito.

    Além do barulho tranquilizante das cascatas, nenhuma resposta saiu do receptáculo do Seu João. Cosmo não esperava que aquele objeto pudesse falar num passe de mágica, mas o brilho reluzente em seu interior lhe deu a sensação de que estava sendo ouvido, de alguma forma. 

— Eu não acredito que o senhor realmente se foi… Ia gostar de saber que seus colegas continuam nomeando todo asteroide que encontram por aí. Hoje mesmo, o Rigel impediu outro cometa Halley de cair no auditório da Senhorita Camélia. A Doutora Alhenna continua carrancuda, mas isso é a falta que ela sente das suas visitas. 

    Por mais que a Ursa Maior não tenha medido esforços em tecer comentários ofensivos, João era querido por muitos funcionários e, ao lado de Antares, estava incluído na lista seleta de amizades do professor. Quando coisas ruins aconteciam, ele usufruía da criatividade e um vocabulário cômico para animar todos ao redor. 

    Era dessa forma que lembramos do membro mais velho da Tropa de Exploração, alguém que faltou às aulas de bons modos mas que viveu o bastante para cativar as pessoas com histórias, conselhos e piadas ruins. Cosmo não lembrava quando foi a última vez que o viu, mas queria preservar a imagem alegre da mesma forma. 

— Não sou capaz de expressar o quanto sou grato pelo apoio, o senhor foi um dos poucos que acreditou em mim. Sei que seus conselhos não faziam o menor sentido, mas eu realmente precisava de um agora… — Cosmo se aproximou do receptáculo para confidenciar as próximas informações. — O que o senhor diria se soubesse que desafiei a Ursa Maior? 

— Opa, eu sabia que você era dos meus! — Uma voz ecoou pelo santuário, que fez o jovem se virar em impulso. 

— Essa voz, será que é… — Cosmo ficou tão concentrado em olhar os arredores que deixou a retaguarda desprotegida, e quando se deu conta, recebeu a batida certeira de uma bengala. — Ei! O que foi isso? 

— Eu te deixo sozinho por um século inteiro e você já bateu de frente com aquela baranga? Ai que orgulho! Nem parece que você puxou a sua mãe! 

    A partir daquele momento, as dúvidas de Cosmo resultaram na melhor resposta que poderia receber. Quem estava atrás dele não era uma pessoa comum, mas sim a alma mais caridosa da galáxia que veio ao seu socorro.

    Se tratava de uma mulher bastante modesta, que optou por um visual simples para todos apreciarem cada detalhe de sua maturidade. A única vestimenta que usava era o mesmo manto acinzentado dos funcionários do santuário, sendo o centro das atenções graças a entrada pretensiosa.

    A aparência mostrava que o tempo podia fazer milagres a pessoas de meia idade, pois não haviam rugas ou marcas de expressão para comprometer a feminilidade. Possuía cabelos curtos e castanhos, com a franja dividida ao meio revelando uma parte considerável da testa, o que lhe deu a impressão de alguém dócil e bastante sábia.

    O único defeito estava no formato curvado da coluna, reforçando o uso da fiel bengala de madeira para se locomover. Tirando isso, era amorosa e bem humorada. 

… 

— Tia Cléo? O que está fazendo aqui? — questionou Cosmo, perplexo com a aparição da senhorinha.  

— O que estou fazendo? Ora bolas, eu trabalho aqui! Não reparou no manto cinza?

— Da última vez que nos falamos, você queria ser maquiadora na filial da Cassiopéia…

— Eu disse isso?  Sim, eu falei. Aquela diretora não consegue fazer as coisas sozinha! — A mulher reclamou enquanto flutuava ao redor de Cosmo. — Eu não consigo ficar parada por muito tempo, sou um espírito livre que gosta de boas aventuras! Aquela filial era cheia de frufruzinho e barracos tediosos, então vim passar um tempo no silêncio mórbido e inquietante do Santuário das Estrelas! 

— Não sei como isso é divertido, mas… Deve ser proveitoso para uma estrela “aposentada”

— Sim, mas sabe o que seria bom? Se me visitasse mais vezes! — A mulher retrucou, golpeando o rapaz com a bengala — Eu vim te receber com tanto carinho, e você está aqui por esse cachorro pinguço? Nem trouxe um presente para ele! 

— Eu queria trazer flores mas estava tão perdido nos meus pensamentos que esqueci de…

— Aqui está querido. — De maneira inexplicável, Tia Cléo pegou um punhado de Dentes de Leão — Ele adorava essas.  

— Eu sinto muito por não ter te visitado Tia Cléo, mas passei muito tempo dando aulas para os novatos daqui — disse Cosmo colocando as flores próximas ao receptáculo. — E depois do que aconteceu hoje, a rotina ficará ainda mais caótica. 

— Deixa de bobeira, não há nada mais nobre do que reivindicar seus direitos como um colaborador justo e dedicado. Aposto que você soltou umas belas verdades para aquela ursa pulguenta e vai se tocar que sua gestão precisa de melhorias, então isso é uma coisa…

— Eu fiz uma aposta com a Ursa Maior, e se eu não ganhar, serei banido do Conselho para sempre!

— Certo, agora entendi… — A velhinha suspirou antes de franzir a testa, e nem pensou duas vezes antes de golpear o professor mais uma vez — Assim fica difícil de te apoiar Cosmo! Por que você fez uma besteira dessas?

— E-ela ia me transferir para outro setor e não gostei da ideia! Então eu tive… Uma espécie de Déjà-vu e falei mais do que deveria. 

— Espera, aconteceu de novo?  — disse a mulher, apertando as bochechas de Cosmo com uma força considerável. — Você está se exercitando? Tem descansado na hora certa? Não é possível que esteja inventando coisas outra vez! 

— Eu não sei se estou “inventando”. Aquilo parecia estranhamente familiar, é como se eu tivesse visto aquela cena em algum lugar…

—  Não, isso está longe de ser uma coisa boa! Você lembra de quando travou e passou a repetir o nome da sua mãe Sheila na convenção de professores? Se não fosse pelo… Seu João ter dito umas boas verdades para a plateia, você estaria na lista de humilhações do seu próprio setor!

— O nome dela era Joraci, e…

— Tanto faz. Segundo o IQQ, imaginar coisas geram danos permanentes ao cérebro! Faz com que questione tudo ao redor e perde a noção do que é realidade ou ficção!

— O que seria o IQQ? 

— Índice Que Eu Quiser. E o que sua tia quer é que continue bem, saudável, e sendo o professor incrível que eu chamo de sobrinho! — afirmou a mulher intelectual enquanto apertava o rosto de Cosmo com mais força. 

— Obrigado, mas não acho que elogios vão me ajudar a vencer a aposta…

— Sim, você se meteu em uma baita enrascada… Afinal, o que apostou com a Ursa? 

O professor respirou fundo, a paciência se unindo com as palavras certas a serem proferidas para a senhorinha de capa cinzenta. Apesar de agitada e levar a maioria das coisas como uma grande brincadeira, tinha certeza que, com ela, poderia compartilhar a carga de preocupações e incertezas que o atormentava.

— Eu recebi uma turma nova para ministrar. Quatro estrelas confusas, ansiando por respostas, a agitação era tão grande que não pude antecipar o que veio depois… A mais nova delas saiu do controle quando despertou seus poderes de maneira precoce, e teria se tornado em uma Supernova se eu não… 

— Puxa… Nunca concordei com esse protocolo mesquinho que só machuca os outros além de… 

— Eu não segui o Protocolo de Segurança! Tentei uma abordagem pacífica, ajudando ela a consertar a bagunça. Para a Ursa, foi a escolha mais inconsequente que eu poderia tomar, mas foi o mínimo que pude fazer após ter fracassado no meu propósito como professor. 

O rapaz encostou na parede, e fechou os olhos para que o brilho incandescente dos receptáculos não quebrasse sua linha de raciocínio, agora que podia abaixar a guarda por um breve momento. 

— Por minha causa, essas quatro pessoas foram levadas para a Detenção, e isso é o ponto central da minha aposta. Se eu ensiná-las a serem grandes profissionais, a Ursa não vai tirar o meu cargo, mas… — A voz de Cosmo pesou, as palavras tendo dificuldade de serem proferidas — Pela primeira vez… Eu não sei o que fazer…

… 

A senhora dos cabelos castanhos tinha o direito de brigar com o sobrinho, pois se nem mesmo as estrelas mais loucas tinham coragem de desafiar a Diretora — uma das oitenta e seis constelações — quem dirá um trabalhador comum que não tem a mínima ideia se existe algo além do pós-vida?

No entanto, a expressão confusa e a entonação deprimida de Cosmo ao mencionar os alunos minimizou sua vontade de usar a fiel companheira de madeira para repreensão. Ela sabia que o fardo era grande demais para ser carregado sozinho.

    A aposta teria resultados catastróficos se ele não soubesse a melhor forma de ensinar quatro estrelas inexperientes e evitar outra Supernova, mas como fazer isso com a pressão de perder o trabalho pesando nas costas? Talvez, uma ideia mirabolante viria a calhar. 

    — Nesse caso, por que não se inspira em mim? — questionou Tia Cléo dando tapinhas no ombro de Cosmo — Eu sou uma mulher bastante dinâmica e consigo me adaptar em qualquer situação! 

— Isso é o mínimo que o Conselho espera de seus colaboradores! É óbvio que eu não posso voltar para a Cúpula da Iniciação após todo o estrago…

— Você pegou a ideia! As novas gerações ficaram entediadas com o formato de ensino convencional, não possuem mais a paciência de ficarem enfunadas em uma sala com os professores escrevendo o conteúdo na lousa. Elas querem emoção, aventura, mistério!  

— Tia Cléo, estamos em um ambiente profissional e não acho que tenha espaço para essas coisas — Cosmo deveria ter pensado melhor antes de dar a resposta que a mulher não queria, e recebeu outro golpe de bengala como recompensa. 

— Pense fora da caixinha, rapaz! Somos estrelas em um universo de possibilidades infinitas, pessoas para conhecer, lugares a serem descobertos, lições que podem ser aprendidas se você mostrar aos seus alunos. A resposta para o sentido da vida não se encontra em livros didáticos, mas em se perder por aí até encontrá-la!

— Está sugerindo uma excursão? Isso seria…

— Revolucionário! Vai mostrar para seus colegas e aquela ursa pulguenta que não tem medo de inovar, além de mostrar aos quatro pimpolhos que você é o professor que tanto precisam. Se esta é a sua última chance de mostrar o seu valor, então deixe a incerteza de lado e jogue suas melhores fichas nesse jogo! O que me diz? 

A senhora de manto acinzentado não se irritou com o silêncio de Cosmo, pois uma proposta daquelas exigia tempo para ser assimilada. Ele, por sua vez, não parecia convencido com a ideia, mas sabia que havia boas intenções por trás disso.  

Conhecendo a Tia Cléo, nenhum desafio proposto seria tão difícil ao ponto de suas habilidades serem inúteis em sua conclusão. A mulher tinha a fé absoluta nas capacidades do sobrinho e faria de tudo para estimulá-lo. Se pelo menos uma pessoa acreditasse que vencer a aposta era possível, então Cosmo não podia jogar a toalha. 

— Eu vou levá-los para conhecer o máximo de setores… Não, mostrarei a eles o que o Conselho das Estrelas tem a oferecer, e no fim de tudo, serão os melhores funcionários que essa filial já teve! 

— Oba! Aí está o Sobrinho que eu tanto gosto. Esse momento merece ser registrado, chega mais! 

    Fazia muito tempo que tia e sobrinho não se viam por conta da rotina quase interminável, por isso, a humilde senhora quis matar as saudades por meio de um abraço caloroso e uma foto para recordação. Porém, ficou surpresa quando o rapaz de trajes chiques se esquivou no mesmo instante que apertou o flash da câmera. 

    Insistente, ela tentou mais algumas vezes para ver se ele parava com a teimosia, mas o resultado continuou sendo o mesmo. Todas as vezes que se encontravam, Cosmo arranjava uma maneira extravagante de evitar contato físico, e saber que agia dessa maneira com todo mundo não servia de consolo.

— Vejo que ainda não é um abraçador, pelo jeito…

— Não é por nada Tia Cléo, mas a sua pele é quente demais! 

— Que isso Cosmo? Eu e sua mãe Dominique nunca te ensinamos a falar sacanagens! 

— Minha mãe se chama Joraci! 

— Tanto faz. De qualquer forma, é melhor você ir andando, certo? Talvez eu tenha algo que possa te ajudar! Vejamos… — Focada em achar algo de valor, a mulher se virou de costas para Cosmo e começou a vasculhar a bolsa de aleatoriedades. 

— Agradeço pela sua intenção, Tia Cléo, mas o tempo é limitado e preciso organizar essa excursão o quanto antes. Primeiro, eu preciso tirar meus alunos da Detenção, mas não vou conseguir sem a chave de identificação que libera… A cela… 

Um sorriso torto se formou no rosto do rapaz, a incapacidade de protestar tornou-se aparente quando sua tia retirou o cartão alaranjado que tanto precisava. Era como se ela soubesse das necessidades do próprio sobrinho desde o começo, ou, manteve um exemplar na bolsa de utilidades para o momento mais adequado. 

— De nada, queridinho! O que seria de você sem mim? 

— Certamente estaria perdido… — Cosmo respondeu com algumas risadas.

— Muito bem Cosmozito, pode ir agora. Estamos conversados, por enquanto! 

— Obrigado pela ajuda Tia Cléo, você é demais! 

— Só demais? Sua amada tia é tão insignificante assim? — respondeu a senhora com uma entonação manhenta.

— Aiai… Você é a estrela mais linda deste vasto céu azul! Posso ir agora? 

— Agora sim! Boa sorte com a aposta, meu querido. Vou torcer por você! 

    Cosmo já sabia o que deveria fazer e tinha noção de onde ir primeiro. Ao menos era isso que a mulher pensava, até uma lâmpada imaginária ascender na cabeça e a fez lembrar de que havia algo muito importante que precisava falar. Então, forçou as cordas vocais ao máximo para chamá-lo antes que deixasse o santuário. 

— Cosmozito, tente manter os olhos bem atentos ao seu redor. Acho que as coisas vão ficar muito loucas quando você sair daqui!

— Alguma razão especial para isso, Tia? 

— Por nada, é só um pressentimento. Você sabe como os velhos são birutas, não é?

— Claro… Não se preocupe que vou tomar muito cuidado. Até mais Tia Cléo! 

    E assim, Tia Cleo viu o sobrinho sair do Santuário das Estrelas e correr atrás do seu maior objetivo. Agora que ele vai estar bastante ocupado, iria retornar ao posto antes que mais estrelas percebam e faria seu trabalho direitinho. Isto é, até ela decidir que está na hora de outra aventura.

    Só tinha uma coisa que não a deixou sair do lugar, o tom avermelhado do Seu João que brilhava mais forte. O que ele queria? Ela tinha uma ideia do que poderia ser. 

— Achou mesmo que ia tirar o Cosmo de mim? João, você sabe que não divido o que é meu com ninguém! Aposto que está se revirando aí dentro por não participar da conversa — Ela sempre teve a leve impressão de que o velho estava ouvindo, mesmo que fosse uma simples fonte de luz — Não se preocupe Zé Bafo de Pinga, as coisas vão ficar mais interessantes daqui pra frente, confie em mim!

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