O Conselho das Estrelas - Volume 01 - Bem Vindos ao Conselho! - Capítulo 07

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Uma Discussão Inconveniente.

    Por mais que o Santuário das Estrelas fosse gigantesco, Cosmo não demorou muito para atravessar a Linha do Tempo e chegar na recepção. Ele pensou em se despedir de Laxis, mas deixá-la em paz seria melhor do que sentir a pressão do estresse acumulado por milhares de anos. 

    Passeando em meio a praça florida na frente do complexo, com a determinação estampada no rosto e o passe em mãos, teria um longo caminho a percorrer. A Detenção não foi moldada por cima de um asteroide como as demais instalações, era localizada no interior de uma construção rochosa do mesmo tamanho que Plutão.

    Com isso em mente, o tempo estava ao seu favor. Agora, ele podia escolher as palavras certas para convencer os quatro novatos a se juntarem na grande excursão, mas tinha que planejar algumas coisas antes de executar a ideia. 

Nenhum professor cogitou a possibilidade de elaborar atividades práticas dentro dos setores, afinal, todos os recursos necessários residiam em suas maletas, nas respectivas salas de aula — como a Cúpula da Iniciação — e depositavam muita confiança no conhecimento adquirido desde então.  

— Vou precisar de um carro grande o bastante para cinco pessoas, e também de ajuda para entrar em contato com os supervisores… Talvez eu consiga a ajuda de um segurança que possa dedicar um pouco de tempo para… 

A linha de raciocínio foi quebrada, a postura ereta e o passo confiante interrompidos com a dura realização. Nada daria certo sem o auxílio direto da equipe de segurança, e um nome específico lhe veio à mente. 

— Não… Eu não vou envolver a Antares nisso…

A amizade com a fiel subordinada da Ursa Maior viria bem a calhar, pois tinha a autonomia de viajar para os mais diversos cantos da filial, uma vasta rede de contatos e o veículo mais elegante de todos em sua humilde opinião. Era certeza que os alunos iriam adorar os passeios de Ferrari pelas estradas nebulosas. 

    — É mais fácil um piloto vencer uma corrida de olhos vendados do que ela me ajudar — afirmou Cosmo, balançando a cabeça — E se ela descobrir sobre a aposta… É melhor não pensar nisso. Desta vez, eu preciso me virar sozinho! 

Mesmo que reconheça a bondade da melhor amiga, deixá-la cuidando dos próprios assuntos era a decisão mais contundente. Cosmo estava determinado a tomar o caminho mais difícil se isso garantisse a segurança dos novatos e a boa execução de seus planos. Com um pouco de esforço, encontraria um segurança disposto a ajudar. 

    Ele só não considerou que ponderar hipóteses por muito tempo deixaria a guarda desprotegida. Quando sentiu alguma coisa se enrolando na perna esquerda, uma força imensurável o puxou e logo percebeu que caiu na armadilha dos cordões prateados que pareciam zombar da sua falta de atenção. 

Após ser arrastado por alguns metros, deu as caras com a pessoa responsável pela investida surpresa. Naquele momento, tudo que mais queria era não ser encarado pelo olhar atrevido da mulher de mechas alaranjadas. 

— Eai Carinha! — disse Antares com um sorriso tão largo que parecia soltar para fora do rosto — Como foi a conversa com a Ursa?

— Muito produtiva, obrigado por perguntar! — A resposta de Cosmo foi mais audível que de costume  — Eu estava indo direto para o setor que fui realocado.

— Espera, deu tempo de passar no andar dos Recursos Celestes? Eles deveriam ajustar sua papelada e isso leva séculos!

— Eu tinha ouvido sobre isso também, mas a Ursa conseguiu agilizar o processo com seu jeito “especial” de delegação, se é que me entende…

— Bem, como segurança e fiel subordinada da Diretora, vou levá-lo até o setor e orientar tudo que precisa saber. Fico contente que não ocorreu nada drástico entre vocês dois… — respondeu a mulher em um tom soturno — Me acompanhe. 

Se a situação era drástica, o professor viu que sempre havia como piorar. A chegada de Antares foi inoportuna, inconveniente e… Peculiar. O fato dela estar nas redondezas da praça e o encontrou por acaso era algo bobo e arriscado de se considerar. 

— Um momento — Cosmo puxou o braço de Antares, interrompendo a caminhada — Para onde você quer me levar se eu nem te falei qual setor fui realocado? Se eu não te conhecesse bem, diria que está tramando alguma coisa. 

— Acha que estou? Me diz você, aonde pensa que vai carregando um passe da Detenção? 

— Passe? Eu não sei do que está… — O professor conferiu os bolsos na esperança de manter as aparências, mas o coração parou uma batida quando percebeu que estavam vazios. 

O cartão alaranjado foi enrolado pelas correntes de prata, entregando para Antares como se tivesse confiscando um pote de biscoitos das mãos do irmão guloso. Agora, o jovem dos trajes chiques estava em sérios apuros. 

— Caso não saiba, somente os membros da Segurança são autorizados a utilizar esses passes. Qualquer estrela que roubá-los ou adquirir por meios ilegais é passiva a exoneração de cargo, encarceramento ou uma reabilitação rigorosa. É melhor você me dar uma boa desculpa, pois não estou de bom humor! 

    — Muito bem, eu conto. — disse Cosmo tirando poeira da cartola — A Ursa me designou para atuar no Setor de Arquitetura que ficava próximo da Detenção, e depois de praticamente me humilhar para deleite das Ursas Menores, me concedeu a chance de visitar meus ex-alunos. Ela conversou com a supervisão e me concederam esse passe para… 

— A Dona Cleonice te deu, não é? 

— C-Como você sabe?

— Estive observando aquela senhorinha futriqueira há um bom tempo, ela vive roubando coisas aleatórias para benefício próprio e não me surpreende que fez isso pelo seu sobrinho querido. 

    — Não fale desse jeito Antares. É por uma boa causa! — A voz de Cosmo se elevou, a firmeza prestes a dissipar quando avançou para retirar o passe das mãos da amiga, que se esquivou no mesmo instante. 

    — Então você tem um bom motivo para ir contra as regras? Não sou eu quem está tramando algo por aqui. 

— Eu posso explicar tudo mais tarde, só me entregue esse passe, por favor! 

Percebendo que o cartão não seria entregue  sem resistência, o professor estendeu o braço esquerdo como se estivesse delegando ordens, e em seguida, um grupo de réplicas fidedignas surgiu por trás de Antares, dispostos a fazer uma emboscada surpresa. 

Todos saltaram para atacá-la ao mesmo tempo, mas os esforços se mostraram inúteis  com a investida das correntes, os reduzindo a uma camada densa de fumaça azulada. O semblante da mulher permaneceu neutro, e só faltou um leve bocejo para evidenciar sua opinião a respeito da insistência do melhor amigo. 

— Pra que todo esse desespero? Isso só mostra que não devo entregar um bem tão valioso para alguém que não segue o protocolo da forma correta! 

    — Está me chamando de irresponsável? Você se jogaria nas garras do perigo se tivesse a oportunidade! — retrucou Cosmo apontando na direção de Antares de maneira autoritária. 

    — Bom, se você consegue falar tanta besteira, me prove que é digno de empunhar o passe — Ela respondeu, com um sorriso tão confiante que estilhaçou a confiança do professor em segundos — Se tira-lo de mim, eu te dou uma carona até a Detenção. Do contrário, vou deixar que minhas correntes decidam a sua punição, e acredite, elas são muito criativas! 

…

    A situação tomou um rumo tão absurdo que conversar não era uma opção a ser cogitada.  Tudo soava como uma brincadeira de mal gosto, mas Cosmo conhecia Antares tempo suficiente para entender que não conquistou a posição atual com apenas a força descomunal. 

    Um teste de agilidade como aquele não seria feito com a única intenção de provocar. Quando o rapaz dos trajes elegantes chegasse ao limite, abrir o jogo seria o último recurso para evitar as garras da justiça.

    — Vamos lá Carinha, não se lembra dos nossos treinos de defesa pessoal? — questionou assim que colocou o cartão no bolso

    — Eu não queria ter que apelar para a ignorância… — Cosmo encarou o chão com uma expressão soturna, enquanto arregaçava as mangas do sobretudo — Mas se quer jogar dessa maneira… 

    O rapaz flexionou os joelhos, acumulando o impulso necessário para desatar como uma flecha voraz na direção da segurança, pega desprevenida quando o viu encostar no cartão por um breve momento. O instinto de autopreservação forçou um rodopio do lado esquerdo, o que fez o adversário passar direto.

    — Você nem vai saber o que te atingiu!

    — Que medinho! Estou pagando para…

Antares deixou a confiança se elevar ao ponto de deixar a retaguarda desprotegida, o que rendeu tempo suficiente para Cosmo utilizar seus dons na criação de uma nova réplica. Não havia intenção alguma de machucar a melhor amiga desde que conseguisse remover o passe e sair da praça o mais rápido que as pernas permitissem. 

    Ela reconhecia o som característico de um balão estourando sempre que o professor realizava esse truque, então, girou o tronco na finalidade de reduzir a cópia em pedaços com um soco preciso, apenas dando brecha para que outra assumisse o lugar. 

A cada golpe e esquiva, o número de Cosmos parecia se multiplicar e não sabia deduzir onde o verdadeiro estava, a agilidade sendo o fruto das longas caminhadas até a Cúpula da Iniciação. Os funcionários nos arredores ficaram distraídos com a pequena cena de luta, todos cochichando sobre como Antares estava passando sufoco com alguém tão fraco e ardiloso. 

    — Isso é exagero, Cosmo! — Antares vociferou — Você sabe que não consigo lidar com todos ao mesmo tempo! 

    — Para sua informação, foi você que começou com as provocações, eu apenas respondi com a mesma intenção — A voz de Cosmo ressoou em uníssono entre os clones — O único jeito de parar com isso é sendo sincera comigo e entregar o passe!

    — Eu? Sincera? Você que… 

    O suor descendo pela testa e as arfadas pesadas foram os primeiros sinais de que, em pouquíssimo tempo, a segurança iria ceder para o exército de representações perfeitas do professor. Sua força era pífia mediante a agilidade e a determinação de roubarem o passe, não importando o preço a ser pago. 

A pequena discussão entre colegas de trabalho se tornou um show a céu aberto, com mais funcionários se reunindo no pátio florido. A responsabilidade de chegar nos respectivos trabalhos foi jogada de escanteio, pois nem sempre tinham a oportunidade de presenciar algo fora do comum, e brigas eram uma forma barata de entretenimento. 

Mas Antares não estava se divertindo. Além de travar uma batalha injusta, tentava lidar com o fato de que Cosmo insistia em manter a verdade por baixo do tapete, justo a pessoa na qual chamava de amigo.

 

— Apenas…

A postura se curvou, os músculos retraídos, a guarda estava aberta e o primeiro Cosmo a averiguar os bolsos encontraria o tesouro almejado por um batalhão inteiro. O cansaço seria o grande vencedor do duelo, a prova de que agilidade e dons bem utilizados superaram a força, o trabalho duro, a…

— Apenas aceite o destino que eu te dei! — A voz da mulher ecoou como um grito de guerra, invocando suas correntes que, em um movimento espiral, reduziram centenas de Cosmo em fumaça azulada, se alastrando pelos cantos da praça. 

    A multidão se dispersou com a fumaça e o silêncio se instaurou no ambiente. Diante da segurança, o verdadeiro Cosmo estava paralisado, mas não por conta da ferocidade do golpe final. O conteúdo da frase fez o cérebro travar, seja por sua ambiguidade ou, quem sabe, a negação de admitir que entendeu o que ela queria dizer. 

— O que você quis dizer com isso, Antares? 

     — Quando a notícia da Supernova chegou à diretoria, a Ursa Maior decidiu condená-lo à prisão perpétua e me designou para apagar todo o seu histórico. Você deixaria de existir dentro da corporação e nunca mais iria te ver, eu… Não podia deixar que isso acontecesse, então eu insisti para ela reconsiderar e…

— A conversa que tivemos mais cedo… Foi você que pediu para me realocar? Por quê? 

    — Lamento em dizer isso Cosmo, mas sua carreira como professor não lhe rendeu nada além de broncas, dor de cabeça, insultos e muita humilhação. Eu gosto da maneira que enxerga as coisas, mas isso não é o bastante se você não entrega resultados para a empresa!

    — Você não acredita em mim… 

— Nada disso, você tem um dom mágico inconfundível e é capaz de fazer tudo que quiser, mas acho que pode ser bem aproveitado em outra vocação! 

    — Outra vocação? Não existe nada que eu queira fazer do que ensinar os outros. Agora, a Diretora e você querem tirar isso de mim!

— Ei, você pediu que eu fosse sincera e saiba que não é nenhum santinho! Eu te vejo esbanjando um passe da Detenção como se a Ursa lhe desse um pirulito pelo bom comportamento, aposto que nem organizou a papelada nos Recursos Celestes!

    — Quer que eu seja sincero? Muito bem então. Eu não fui e não serei colocado em nenhum setor, estou indo para a Detenção libertar os meus alunos!  

    — Isso está fora de cogitação. Como membro do setor de segurança, eu lhe proíbo de chegar perto daqueles quatro delinquentes e se não fizer o que digo, terei motivos de sobra para te prender! 

— Pois tente, eu vou invocar uma legião de clones e o que minha imaginação elaborar para te impedir! — Cosmo bradou, a formalidade e profissionalismo sendo substituídos pela intriga sentimental com Antares — O destino de quatro estrelas e o meu trabalho estão em jogo, eu não posso abrir mão desse propósito por nada nesse universo! 

— O quê? Já percebeu no que você está falando? Eu não sei o que a Ursa disse, mas… 

— Quero que a Diretora e todos que duvidam de mim se explodam! Vou mostrar para esse Conselho que sou capaz de transformá-los em excelentes profissionais e vencer a aposta, mesmo que eu seja banido no processo!

— Que aposta? — Antares ficou mortificada com a revelação que não percebeu os movimentos da mão direita de Cosmo, gesticulando para alguma coisa atrás dela. 

A explosão de sentimentos havia baixado sua guarda, e agora, rotacionar o corpo não daria tempo suficiente para golpear um último clone insistente. Mesmo assim o fez, decidida a parar aquela loucura de uma vez.

Tudo que sentiu foi um puxão nas costas, além do som de tecido rasgando sem piedade. Quando se virou, um corte por cima do icônico símbolo de urso tornou-se visível para todos.

O silêncio perdurou por alguns minutos, a agitação se tornou em choque e Cosmo estremeceu perante o seu mais novo erro. As sobrancelhas saltaram assim que o olhar atônito de Antares o fitou, mortificada pela dura realização do que havia acontecido.

— Você… Rasgou o meu colete?

    — Essa não… — sussurrou Cosmo, esfregando as têmporas na busca de uma resposta convincente. — Essa não era a minha intenção Antares, eu prometo! Eu jamais ia deixar que as coisas chegassem a esse…

    — Coloquem ele no carro, por favor… — ordenou Antares com a entonação soturna — Essa palhaçada termina aqui. 

— Antares, espe… — Foi tudo que o professor pôde dizer antes do impacto lhe acertar em cheio. Um golpe na cabeça realizado pelas correntes prateadas que o fez cair no chão, e de maneira lenta e calma, o mundo ficou escuro.

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