O Conselho das Estrelas - Volume 01 - Bem Vindos ao Conselho! - Capítulo 12
Peguem Aquela Estrela!
Tente imaginar a careta que muitas estrelas fizeram ao receberem as ordens de uma garota comum. As fagulhas de admiração desapareceram no mesmo instante, pois ela não atendeu as expectativas e agora lidariam com a decepção até a chegada de outro Escolhido. As reclamações voltaram a contaminar o ambiente sonoro ao redor da cúpula, formando uma cacofonia de pensamentos afiados.
Isso só pode ser um engano, como essa criança foi escolhida? Ela não conseguiria matar uma mosca nem se pedissem por isso!
A pirralha veio com defeito…
A humilde jovem de camisola ficou incrédula em ver as consequências de “pensar alto demais”. Caso aquele fenômeno se tratava de um poder concedido pelo fato de estar destinada à grandeza, era o momento ideal para reconhecer a extensão daquela magia peculiar e testá-la com o que encontrasse pelo caminho, mas a pobrezinha só queria sair daquele pesadelo o quanto antes, mesmo não sabendo como.
— Olhem só meninas, parece que o Vovô Flamejante foi tão espertalhão que mandou uma lunática! — As Ursas Menores riram do gesto involuntário da morena em colocar as mãos nos ouvidos, como se isso fosse capaz de silenciar as vozes dentro da própria cabeça.
— Ei, você está bem? — Antares reparou o sofrimento dela, e estendeu a mão direita com bastante cautela.
— É claro que sim, veja como estou saltitando de alegria! — O tom ácido da morena era compreensível, mas no fundo sabia que isso não levaria a lugar algum — Alguém teve a brilhante ideia de colocar um estádio de futebol dentro da minha cabeça, mas está tudo bem!
— Você lê pensamentos! — disse Cosmo em tom de surpresa — É por isso que chamou a atenção de todas as estrelas, estava na cabeça delas! Se explorar os limites desse dom, será muito útil em…
— N-não encosta em mim! — No momento em que o professor estendeu a mão, Andreia deu um tapa para afastá-la — Isso não pode acontecer. Tenho que pensar em coisas boas, mas… Fingir ser uma nuvem fofa não ajudou muito. O Sansão! Ele certamente me ajudaria numa hora dessas!
Cosmo e Antares se esforçaram para entender a dificuldade de Andreia em aceitar a nova realidade, mas não podiam negar que vê-la perambulando pela cúpula de olhos fechados era uma cena cômica.
Tudo que precisava fazer era se concentrar em memórias distantes.
Houve um momento na infância em que a morena desatou em alta velocidade na sua humilde bicicleta à caminho de casa, as pedaladas exigiram o dobro do esforço para escapar da tempestade iminente. Como toda criança desastrada, virou o guidão rápido demais e rolou por alguns metros até parar na frente do portão.
Uma cachoeira de lágrimas desciam pelos olhos púrpura mediante a ardência nos joelhos, o cérebro incapaz de pensar em qualquer solução viável para interromper a corrente vermelha escorrendo dos cortes. Ela sabia que deveria ter ouvido seus pais e voltado antes das nuvens cinzentas, e agora estava dolorida e encharcada na calçada.
Foi somente quando um urro altivo ecoou no interior da garagem que o coração da pequenina se acalentou, sabendo que seu herói viria ajudá-la. Sansão era o nome do pastor alemão de pelagem alaranjada que puxou as grades do portão e se aproximou de Andreia. Mesmo que cachorros não tivessem o intelecto necessário para estancar um sangramento, eram profissionais na arte de aliviar os nervos.
Sendo assim, o guardião de quatro patas deu algumas lambidas na mão da morena antes de se deitar no chão molhado. Não estava se importando em pegar uma gripe severa, desde que sua presença fizesse as lágrimas dela sumirem.
Lembrar da sensação de acariciar Sansão por longos minutos trouxe uma sensação de paz à menina, forte o suficiente para fazê-la se desconectar do momento presente e se concentrar na textura dos pelos, no barulho reconfortante das mãos circulando a sua cabeça e ver o melhor amigo se derreter com um simples gesto de carinho.
— Sansão, é como se você estivesse aqui comigo… — disse a jovem enquanto acariciava os pelos do seu melhor amigo, mas levou algum tempo até a ficha cair.
Andreia lembrou que encheu o pote do cachorro com ração antes de ir para a escola. Ele lambia a tigela como se tivesse consumido uma iguaria de alta qualidade, sem considerar que aquele seria o último momento que veria a sua dona.
Para aquilo ser verdade, Sansão deveria ter feito a passagem do plano mortal ao Conselho das Estrelas. Então só restou para a garota abrir os olhos e deixar a vergonha tomar vir à tona quando viu com quem estava mexendo.
— Pode continuar se quiser, eu gosto de cafuné! — afirmou a ursa de cabelo vermelho, que recebeu o carinho da jovem — Sou mais fofa que esse maluco sarnento, não é?
— Sai fora! — Num ímpeto de fúria, Andreia empurrou a garotinha e se dirigiu até uma parede da cúpula — Quem você pensa que é para falar assim do Sansão?
— Ninguém menos que uma constelação, os seres mais poderosos da galáxia! — A garotinha respondeu com um sorriso — Pense nisso multiplicado por três! — As duas irmãs se juntaram, as poses exageradas como se fossem o centro das atenções.
— Constelações? Fala sério… Ninguém aqui consegue falar algo que seja coerente?
— Jovem, as coisas tendem a ser confusas no começo, mas não deixe que o nervosismo e a incerteza tomem conta de… — Cosmo insistiu em uma nova aproximação, mas a intuição da Escolhida era tão aguçada que um tapa ligeiro foi bastante para afastar sua mão.
— Não me venha com esse papinho manso, seu vigarista pervertido! Essa história de estrelas, de glorioso propósito e de ser escolhida pelo sol passou dos limites. Já deu, vou dar o fora daqui!
— E para onde você vai? — questionou a ursa de cabelos verdes — Você morreu! Não pode mais voltar para seu planetinha imundo!
— É o que vamos… — Andreia só pensava em sair daquela situação o mais rápido possível e, para sua surpresa, o desejo se realizou. Ela só não percebeu que havia um grande buraco na parede que insistiu em se apoiar, assim, não teria caído da borda.
Ver a cena motivou Cosmo e Antares a irem ao socorro da Escolhida, mas a inércia foi mais ligeira e apenas lhes deu a visão de seu corpo despencando igual a uma bolinha de gude num vasto oceano de poeira colorida.
Eu sou uma nuvem fofa, eu sou uma nuvem fofa, eu sou uma nuvem fofa… — Pensar em mantras positivos não iriam livrá-la de um impacto veloz e catastrófico, pelo menos, era o que Andreia pensava até abrir os olhos.
Por um instante se esqueceu que estava no espaço sideral, onde a gravidade não funciona da mesma forma que na Terra. Ao invés de adquirir velocidade no decorrer da queda, era como se estivesse sob os efeitos de uma gravação em câmera lenta e não tinha a noção de quando iria parar.
Era questão de tempo até o corpo receber a influência gravitacional de uma ilha ou das pontes suspensas, mas a reação de minutos atrás provocou um par de bochechas tão rosadas que colocou as mãos no rosto para escondê-las. Mesmo que não corresse perigo, alguns funcionários estavam determinados em “socorrê-la”.
Um grupo de operários do Arquipélago dos Envios puxava um carrinho de travesseiros para decoração em uma ponte logo abaixo, e saíram correndo no momento que viram a garota caindo tão leve quanto uma pluma. Quando repousou na superfície macia, tudo que pôde fazer foi rir.
— Puxa… É… Uma nuvem fofa! Eu fui salva por nuvens fofas! — As risadas ficaram mais exageradas, mostrando que ela não estava comemorando o fato de que estava segura.
— Nem pense em fugir, garota! Nós vamos levá-la para a Mamãe — As Ursas gritaram no alto da cúpula, o que gerou motivos suficientes para Andreia correr o mais rápido que as pernas pudessem carregá-la.
— Vocês não vão a lugar nenhum! — alertou Antares, fazendo um gesto de mão para as correntes impedirem a saída do trio.
As ligas prateadas rastejaram como uma serpente pelo chão do altar, dispostas a segurar as três garotas por tempo suficiente para a Escolhida escapar. Acontece que eram muito rápidas em contraste à estatura juvenil, e perceberam a intenção da “irmã mais velha” em atrapalhar sua missão.
Ao sentirem que os cordões ambulantes estavam prestes a se entrelaçar, elas saltaram para fora da cúpula sem preocupações, já que teriam o amontoado conveniente de “nuvens fofas” para amortecer a queda.
Porém, os operários depositaram todas as forças para jogar o carrinho de travesseiros para fora da ponte. Os olhos delas se arregalaram artes que sentissem o rosto pressionado pelo chão sujismundo, e quantidades exorbitantes de poeira contaminando os vestidos de estética vitoriana.
— Tá achando que pode nos sacanear? Ela vai se arrepender por isso! — anunciou a ursa das mechas vermelhas, passando as mãos no vestido.
— Não importa se ela é a favorita do velhote, vamos mostrar porque somos as garotas mais temidas do universo! — concluiu a menina de cabelo verde com um sorriso malicioso. — Estão prontas irmãs?
— Bem, a ideia era levá-la pra Mamãe em segurança, mas não me importo de brincarmos com ela um pouquinho! — A primeira ursa ficou muito interessada na proposta. — Vamos atrás dela! — anunciou em meio a vibração dos demais operários. — Vocês não, bando de animais. Voltem ao trabalho! — E formando uma linha de expressões maliciosas, o trio começou a caçada.
…
— Porcaria! — esbravejou Antares enquanto procurava algum objeto para socar. — Quando pegar aquelas pirralhas, eu vou…
— Acalme-se Antares, vamos achar uma maneira de resolver esse dilema! — disse Cosmo com uma entonação confiante.
— Você não sabe do que as Ursas Menores são capazes! Sempre que vão atrás de alguém, não existe um lugar que seja minimamente seguro para se esconder. Elas irão encontrá-la de qualquer jeito!
— Isso significa que temos uma tarefa difícil em nossas mãos…
— Acertou em cheio, Capitão Óbvio! Nunca consegui lidar com as três ao mesmo tempo, e agora que estão determinadas a arranjar encrenca, não há nada que possa impedi-las…
— Está certa, não somos os mais qualificados para esse tipo de coisa, a menos que… — Cosmo deixou as ideias fluírem à medida que coçava o próprio queixo.
— Espere aí… — A expressão de Antares se fechou quando um pequeno sorriso se formou no rosto de Cosmo. — No que você está pensando?
— Podemos ajudar a Escolhida a despistar as Ursas Menores, mas precisamos chegar perto o suficiente.
— Como? Elas já devem ter dado a volta por uns três setores, nunca chegaremos a tempo. Ainda mais que os carros foram jogados para longe…
— Nem todos eles — Cosmo apontou para a entrada do Altar da Iniciação, onde um aglomerado de peças reutilizadas e cores desbotadas que foram acopladas a dois foguetes de qualidade duvidosa implorava por atenção.
— Eu não vou pilotar essa lata velha! — A segurança protestou — Isso aí nem deve acelerar direito!
— Mas é a nossa melhor opção, já que as Ursas fizeram a gentileza de varrer os carros da segurança e os próprios seguranças no processo.
— Não vamos alcançar a Escolhida! Estamos dependendo de um calhambeque detonado para competir com três pestinhas que correm mais que uma onça. Se contarmos com a sorte, a garota será reduzida a… — A fala de Antares foi interrompida pelo amigo, que repousou as mãos sobre os ombros.
— A Antares que eu conheço está sempre assumindo riscos pelo bem de todos os funcionários, não importando o nível da ameaça que estiver no caminho. Precisamos dessa mulher agora mesmo, eu preciso dela mais do que nunca!
— Eu sei, mas…
— Eu reconheço que nossas inimigas são formidáveis, mas agora, somos os únicos que podem salvar a Escolhida. Com sua determinação e minha inteligência podemos resolver tudo, da mesma forma de quando éramos novatos. O que acha? Vamos colocar essa lata velha para rodar!
As correntes se enrolaram nas mãos da segurança, como se estivessem de acordo com o professor e esperando um veredito. O momento era urgente e não havia tempo de considerar pontos positivos e negativos daquela empreitada, só podiam contar com a ajuda uns dos outros.
Antares não tinha a obrigação de se envolver nos problemas do melhor amigo, mas ao ver que ele tinha a capacidade de mostrar confiança em uma situação preocupante lhe deu a motivação necessária para seguir adiante. Ela nunca se sentiu como uma heroína ao trabalhar na segurança, mas estava determinada a fazer a coisa certa mesmo que não fosse de maneiras convencionais.
Por fim, a mulher soltou um breve suspiro e cerrou os punhos, dando os primeiros passos na direção do carro. Cosmo a seguiu logo em seguida.
— Beleza, vamos começar a caça às ursas! — disse Antares, com os olhos cintilando como brasas ardentes.