Os Contos de Anima - Volume 1 - Capítulo 02

  1. Home
  2. Os Contos de Anima
  3. Capítulo 02 - Potencial
Prev
Next

Os alunos estavam atônitos e mal respiravam. A sala fervilhava em silêncio: os pequenos Gnoma e os enérgicos Faeram apertavam os rostos em concentração, os humanos olhavam para os lados, e até mesmo os três Alfae no fundo, embora quietos em sua ponderação, demonstravam ter aprendido que sua raça era poderosa e uma das grandes líderes do mundo. Todos estavam extasiados com tanta informação.

 

Lucet, por outro lado, não desviava seus olhos heterocromáticos da elfa por um segundo. O que exatamente ela tinha feito? Teria sido magia dos elfos? Ou talvez uma ferramenta mágica Gnoma, como ela mencionara? Fosse o que fosse, era extraordinário! Ter a capacidade de ver tantos lugares tão rápido era maravilhoso! E, ainda por cima, tudo controlado com um simples gesto – ele precisava aprender isso!

 

Ele sabia que, mesmo não sendo um elfo, por ser humano tinha a possibilidade de aprender magia. Mesmo que nunca pudesse ser tão bom quanto os mestres Alfae por ter um talento natural inferior, ele ficaria satisfeito se pudesse usar as artes mágicas, ainda que com menor eficiência.

 

Caso isso não funcionasse, ainda havia a opção do druidismo dos Faeram e, se falhasse, poderia aprender a arte da forja e, com sorte, o encantamento com os Gnoma. Algo tinha que dar certo! A instrutora dissera que os humanos têm potencial, ainda que medíocre, para aprender qualquer coisa e ocupar qualquer profissão, mesmo sem atingir a maestria absoluta.

 

Lucet sorriu de olhos fechados, as sobrancelhas franzidas enquanto a mente viajava.

 

Ele se imaginava adulto, experiente, vestindo longas vestes cinzentas e um chapéu pontudo que cobria seu cabelo grisalho, destacando sua longa barba. Em suas mãos, carregava um cajado de madeira retorcido com um cristal na ponta, murmurando palavras de poder. Com o brilho do cajado, ele disparava magias ofensivas, conjurava escudos protetores, revelava segredos e impedia a passagem de feras, monstros e dos Durza.

 

Em um piscar, sua figura mudava. Via-se cercado de flora aromática e fauna abundante. Com ervas e minérios em pó, ossos de animais e um caldeirão borbulhante, ele praticava as artes druidas para curar e se fortalecer, usando a natureza como aliada. Seu rosto estava pintado com pigmento vermelho que cintilava quando o caldeirão emitia uma luz forte.

 

Mais uma vez o cenário mental se alterava. Agora, ele estava diante de uma grande forja flamejante, com vários espetos metálicos inseridos nas chamas. Sua pele, morena por anos de trabalho, tinha feições marcadas pela dedicação à forja e à magia. Vestia roupas grossas de couro de fera, um avental escuro repleto de bolsos com ferramentas, e atrás de si havia uma bigorna negra inscrita com runas.

 

Ele puxava um espeto, sacava um martelo quadrado e, em instantes, martelava e modelava o metal, faíscas voando enquanto o tinido ressoava constantemente.

 

Era óbvio que levaria anos para alcançar resultados decentes e, mesmo que nunca fosse um mestre renomado, definitivamente seria capaz de usar uma arte mística!

 

Foi então que, como um estalo em sua mente, uma pergunta importante o despertou dos devaneios: mesmo que desejasse trilhar o caminho das artes místicas, como exatamente deveria começar? E, apesar de a instrutora ter falado do potencial humano, será que ele realmente possuía a capacidade ou o talento para a coisa toda?

 

Ele tinha que perguntar! Seus sonhos dependiam daquela resposta!

 

Demorou alguns momentos para reunir a coragem, afinal, a reação da classe ao seu último questionamento ainda estava fresca em sua mente.

 

Porém, antes que tivesse a oportunidade de levantar a mão, Kaella fechou o livro que havia maravilhado a sala. Um baque surdo ecoou pela classe, despertando os alunos de seus devaneios.

 

— Bem, creio que nosso tempo acabou, filhotes — ela disse.

 

Ela então apontou o dedo indicador e disparou uma luz cintilante que cortou o ar e atingiu a porta, fazendo-a brilhar por alguns momentos. A porta tremeu e, segundos depois, abriu tão bruscamente que parecia ter sido atingida por um aríete, deixando entrar a luz alaranjada do sol poente e o refrescante sopro da brisa do vale.

 

Seja pelo abrir abrupto da porta, pela luz do sol que anunciava o cair da noite ou pelo súbito sopro úmido e aromático do vento , em questão de segundos, as crianças se levantaram e correram para fora. Apenas a elfa e Lucet, que resistiu ao estranho impulso de sair, permaneceram no local.

 

Kaella fitou a porta com a certeza de que havia dispensado todos com total eficiência. No entanto, ao voltar os olhos para a mesa à sua frente, um quase imperceptível “Oh!” escapou de seus lábios , o que fez Lucet se retrair e tentar, inutilmente, diminuir seu tamanho.

 

Um breve sorriso radiante floresceu no rosto da instrutora.

 

— Ora, o que temos aqui? Parece que alguém resistiu à tentação e conseguiu se manter na cadeira após o fim da aula — disse ela, soltando um leve riso abafado. — Algo em que eu possa ajudar, pequeno humano?

 

Lucet estava rígido como uma estátua. Sua tentativa de se encolher o deixara tão torto na cadeira que o fazia parecer uma gárgula cômica. Seu desconforto e apreensão faziam seus músculos contrair, ameaçando cãibras, o que o fez se levantar rapidamente.

 

Uma das sobrancelhas de Kaella se levantou ao observar o comportamento daquele que, para ela, era o aluno mais interessante e o único a demonstrar o mínimo de raciocínio até então. Uma leve pontada de pena surgiu em sua mente. Apesar da inteligência , o filhote humano era muito tímido e sofria com a insegurança muito mais que qualquer um de sua espécie na mesma faixa etária.

 

— Bem, Lucet? Tem alguma dúvida em que eu possa lhe ajudar? — ela disse, com a voz mais gentil e calorosa, tentando incentivá-lo.

 

Alguns momentos desconfortáveis de silêncio se passaram antes que Lucet finalmente falasse.

 

— B-Bem, instrutora Kaella , — Ele disse, com a voz levemente trêmula — Como é que eu faço para saber se tenho capacidade para aprender magia? Tem um jeito de testar isso?

 

Conforme o garoto falava, sua confiança e fluidez aumentavam gradualmente.

 

— Na aula, a senhora usou magia e foi incrível! — Ele disse, empolgado — Eu quero conseguir fazer isso também! Mesmo que eu não seja tão bom quanto um Alf… Alfae… e se não for magia, tem como eu saber se posso aprender as outras coisas?

 

Lucet falou tão rápido e sem respirar que, ao terminar, precisou tomar um longo fôlego e arfar para se recuperar.

 

A elfa, por sua vez, ficou em silêncio, o rosto contemplando a pergunta, mas sem expressar o que pensava. Lucet, ao notar o silêncio, sentiu o estômago gelar. Será que não havia jeito? Estaria ele destinado a ser um humano sem poder, que só poderia admirar a magia sem jamais usá-la?

 

Após alguns momentos, que para o garoto pareceram horas, Kaella o respondeu.

 

— Então é sobre isso! — ela riu, um sorriso radiante surgindo em sua face — Que interessante, realmente interessante, criança humana! Mais cedo você demonstrou ter um pouco de cérebro, mas agora, você realmente despertou meu interesse.

 

— Existem métodos para testar as capacidades e o potencial para todas as artes, mas geralmente são apresentados mais tarde ao longo do aprendizado. — A mulher iniciou, uma mão apoiando o queixo gentilmente — O costume dos instrutores de Anansi é começar a seleção de candidatos para as especializações no sexto mês.

Ainda quem compreendesse a pressa do garoto, tinha de manter sua postura profissional perante ele.

 

— Até lá, vocês já terão visto os efeitos das artes o suficiente para ter uma compreensão rudimentar de como funcionam, e alguns já terão começado a demonstrar sinais de potencial e afinidade.

 

Tentando imprimir no garoto a necessidade dos passos e da paciência, ela seguiu explicando com uma voz paciente.

 

— Mesmo aqueles que são mais talentosos por natureza em uma arte específica nem sempre têm afinidade ou gosto por ela, acabando por escolher outros caminhos. É exatamente por isso que os Faeram, por exemplo, são tão conhecidos por serem ótimos guerreiros: muitos deles preferem lutar a dedicar longos, árduos e entediantes anos ao caminho dos druidas.

 

Lucet, embora aliviado por suas suspeitas terem sido em vão, ficou desapontado e, instantes depois, enfurecido.

 

Seis meses!? Ele teria que esperar seis meses para descobrir se era capaz de usar magia? Não! Isso era tempo demais para esperar! Talvez fosse a impulsividade natural de uma criança ou insegurança , mas ele ignorou qualquer receio com a mulher à sua frente e falou revoltado, o rosto corado de raiva.

 

— Seis meses!? Como é que vou aguentar esperar seis meses para ver se eu consigo usar magia!? Por que demora tanto!? Eu quero ver isso agora!

 

A elfa ficou em silêncio, atônita. Até o momento, a criança havia demonstrado apenas curiosidade e inteligência, despertando um interesse que ela exploraria com o tempo. No entanto, ver a revolta do pequeno diante da perspectiva de ter que esperar pela magia , e o fato de que o garoto, que instantes antes tremia e mal conseguia falar, era capaz de demonstrar tal indignação, era surpreendente.

 

Uma luz azulada reluziu por uma fração de segundos nos olhos violetas de Kaella enquanto ela fitava o garoto seriamente, suas orelhas se mexendo levemente.

 

Alguns momentos depois, sua expressão melhorou gradualmente, e logo ela estava radiante novamente, seu sorriso tão belo e encantador que até Lucet, com apenas oito anos, se sentiu encabulado. A raiva que borbulhava dentro dele se dissipou instantaneamente, fazendo com que desviasse os olhos para as frestas das toras que compunham o chão.

 

Naquele instante em que seus olhos brilharam, Kaella tinha usado um feitiço para observar as emoções da criança, o que a tornava capaz de enxergar e ouvir seus pensamentos mais intensos com clareza. Obviamente, qualquer um capaz de executar barreiras mentais conseguiria impedi-la e até mesmo perceber a invasão de privacidade. Mas, como o alvo era uma criança cuja primeira demonstração de magia ocorrera na aula que ela lecionou, como ele poderia notar o que ela estava fazendo?

 

“NÃO! NÃO! NÃO! NÃO! NÃO! NÃO! Como é que vou esperar tanto para descobrir se posso ou não usar magia?”, diziam os pensamentos do garoto. “E se eu esperar todo esse tempo e ser um inútil que não pode fazer nada? Todos vão zombar de mim! NÃO! Se for para eu descobrir que eu não posso aprender nenhuma das artes, é melhor eu saber agora! Pelo menos assim posso inventar uma desculpa depois para não fazer o teste”.

 

O humano não parava de surpreender. Nas poucas horas em que lecionou, a elfa ficava cada vez mais interessada na criança. O grande desejo pelas artes, não pelo seu poder, mas pela sua fantástica natureza, era algo comovente para ela, que dedicara toda a vida à busca do conhecimento e do aperfeiçoamento da magia. Era gratificante ver alguém tão jovem demonstrar tamanho interesse, ainda mais por ser uma vontade pura, e não uma ambição gananciosa por poder.

 

— Acalme-se, filhote humano — a instrutora disse, rindo — Sua fúria é desnecessária, não deixarei que alguém tão interessante tenha que esperar tanto para ser iniciado no caminho das artes.

Prev
Next

Comments for chapter "Capítulo 02"

MANGA DISCUSSION

Deixe um comentário Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*

*

© 2025 3Lobos. Todos os direitos reservados

Sign in

Lost your password?

← Back to 3 Lobos

Sign Up

Register For This Site.

Log in | Lost your password?

← Back to 3 Lobos

Lost your password?

Please enter your username or email address. You will receive a link to create a new password via email.

← Back to 3 Lobos